Vivíamos a poesia e a literatura em minha casa. Após o jantar, nossa mãe contava o que havia escrito naquele dia, às vezes triste pela morte de uma personagem, às vezes em dúvida sobre o que haveria de acontecer...
A cada livro publicado, a alegria de mais uma obra finda, em mescla com a dificuldade da distribuição de uma publicação independente... Mas isso não a assustava e logo havia nova história, novos poemas, um novo livro.
Trago hoje dois poemas de Botyra Camorim, minha mãe.
ESCALAS
Envolvida por cadeias,
segui todos os caminhos
presa e livre, ao mesmo
tempo.
Em cadeias diferentes,
passo a passo conheci
as escalas do sentimento.
Difícil
caminhada! Profundamente sentida.
Hoje
ao final da jornada,
já
na última escala,
com
alegria reconheço,
minha
vida foi bem vivida.
Sem
dúvida posso dizer,
valeu
a pena viver!
(Sentimentos
– Botyra Camorim - 1981)
TEMPESTADE
As nuvens cor de chumbo,
tocadas pelo vento,
vão se agrupando
e pelo céu se espalham.
Em
pleno dia,
parece
entardecer.
Luminosos ziguezagues,
riscam o céu seguidos do
trovão.
De repente, a chuva cai
em bátegas violentas,
açoitadas pelo vento.
Por longo tempo o que se
ouve,
é o desabar das águas
lavando o casario, o
arvoredo,
o asfalto.
E
como veio,
a
tempestade vai.
Uma
nesga do céu se descobre
muito
azul
e o verde da serra,
com
novo brilho se destaca.
Abrem-se
portas e janelas.
A vida continua.
(Sentimentos – Botyra Camorim - 1981)
Luz do sol - Caetano Veloso
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Panteão - Roma
Fotografia: Ana Flávia